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D E N G U E | O Início


São 9h da manhã, é dia de regressar a Bali para apanhar o voo para a Tailândia no dia seguinte. Sinto o meu corpo mais cansado que o habitual e deixo-me ficar na cama até mais tarde, enquanto me mantenho acordada a organizar o dia na minha cabeça.

"Tomo o pequeno-almoço, faço o check out no hostel que é até às 11h e fico pela piscina até ser hora de ir para o porto, logo a seguir ao almoço para apanhar o barco às 15h30. Tudo controlado."

Levanto-me da cama, sinto-me cansada e a cabeça não está a 100%, "Pronto, já estou a ficar doente", penso eu de forma inocente como quem apanhou um friozinho durante a noite. Desço até à recepção já no último minuto do check out, depois de engolir o pequeno-almoço com algum esforço. Deixo a minha mala por ali e vou até à piscina na tentativa de aproveitar as últimas horas no paraíso da Gilli Air. Abri o portátil e voltei a fechá-lo de imediato. O corpo começava a doer, a cabeça parecia cansada e os olhos mais cerrados. Dei um mergulho na tentativa de que não fosse nada e que insistindo em alguma actividade física aquilo passasse. Não passou. Ao meio dia recorri ao termómetro, indicava 38 graus.

Arrastei-me até ao restaurante mais próximo e comi, precisava de forças para o dia que tinha pela frente. Caminhar 1km até ao porto da ilha, esperar pelo barco que demoraria cerca de 2h a chegar ao porto de Sanur, mais 1h de carrinha até ao hostel.

Assim foi. Entrei no barco a tremer de frio porque tinha começado a chover torrencialmente e tinha a roupa molhada. Encostei-me a uma das paredes, meia aninhada para tentar aquecer-me, e comecei o ciclo habitual das drogas de ibuprofeno e paracetamol de 8h em 8h. Quando cheguei ao porto de Sanur a febre ainda se mantinha. A força, essa já tinha um bocadinho menos. Agarrei na minha mochila e fui procurar a carrinha que me levaria até ao hostel, onde já só imaginava uma cama para deitar o meu corpo dorido e a minha cabeça que parecia querer fugir. A carrinha ia demorar a chegar. Sentei-me no chão, à espera. Tinha medo de cair.

Durante a viagem para o hostel enchi o motorista de perguntas na tentativa de esquecer as dores e o desconforto que iam aumentando. A única recordação que mantenho é que ele ganhava 2 500 000 rupias por mês (cerca de 180€) a trabalhar 7 dias por semana e com 2 folgas mensais. Vivia perto do aeroporto, em Denpasar, onde o custo de vida era mais barato. E é um bom sítio para viver, dizia ele. Certo é que devo tê-lo melgado tanto que o pobre senhor até deixou descair o carro numa estrada plana, dando um beijinho à mota atrás dele. Um susto, uma risada e está tudo bem.

Chego ao hostel em Sanur, vou ficar aqui apenas 2 noites, depois de amanhã tenho voo para Bangkok pelo meio dia. Na recepção pergunto pelo supermercado mais próximo já desconfiando que não ia ter forças para sair do quarto. Instalo-me e deito-me, finalmente. A cabeça continua atordoada, calafrios no corpo misturados com dores nas articulações que vão ficando ora mais fortes ora mais fracas. A febre baixou, os medicamentos resultaram. De pensamento positivo e processando os meus sintomas, o veredicto final é que deverá ser uma virose. Deve demorar uns 7 dias a passar e fico boa!

Uma das raparigas do meu quarto repara no meu estado já de sofrimento e pergunta se preciso de alguma coisa. Ainda há muita gente boa neste mundo! Traz-me o jantar que até como bastante bem e vou descansar. Passo a noite a acordar com as dores de corpo que se estão a tornar insuportáveis. Respiro fundo e de forma acelerada como ensinam as mães a respirar no parto porque dizem que alivia a dor. Consigo adormecer uma horinha aqui, uma horinha ali. Diminuo o espaçamento entre os medicamentos. A febre vai, a febre volta.

No dia seguinte sinto-me melhor de manhã. Preciso de ir buscar mantimentos para voltar para a cama e descansar. Tomo banho sempre apoiada em algo, visto-me e lá vou à procura do supermercado. A mana disse para comprar fruta e muita água. Sinto-me enjoada e a vontade de comer é quase nula. Preciso de fazer uma refeição normal e completa, mas os noodles com ingrdientes estranhos, o arroz húmido com ervas duvidosas e o cheiro a especiarias misturadas não ajuda. Pela primeira vez sinto falta da comida portuguesa. Algo básico por agora. Uma canja! Uns bifinhos de peru! Na loucura, a massa à bolonhesa da Mãe!

Olha, a única coisa que se arranjou foi uns ovos. É para cozer. Mas não há panelas no hostel por isso tento fazer com a cafeteira elétrica. Não resultou, mas não tenho força para mais, vou só aguentar esta "virose" enfiada na cama a beber água e a respirar profundamente para aliviar as dores. Afinal, amanhã é dia de voo!

Estar doente sozinha é chato. Para já há que descansar, o que é uma verdadeira seca para quem gosta de estar sempre em movimento. Depois, não há cá ninguém a pôr a toalhinha molhada na testa para baixar a febre, não há aquela comidinha sem sal para doentes, nem sequer uma voz a perguntar "Estás melhor?" para que possamos responder aquele "Não!" meio mentiroso só para receber mais mimo.

Caríssimos, é sofrer ali sozinhos sem piar ou a gritar interiormente e ir juntando forças físicas e mentais para conseguirmos ir buscar mantimentos que nos permitam saciar as necessidades básicas da pirâmide de Maslow!

Passando agora os detalhes do que foi a viagem de UBER ilegal do hostel até ao aeroporto e a minha espera sentada num banco para que a fila do check in terminasse pois náo podia ficar lá de pé sob a ameaça do meu corpo desmoronar, lá chego a Bangkok. O hostel que marquei tem transfer do aeroporto, mas não sei onde nem quando. Lá encontro a informação que preciso e fico sentada no passeio, pronta a arrancar lentamente quando visse a carrinha pois os meus passos eram lentos e não a podia deixar fugir que era o mais provável porque é proibido estacionar por ali, apesar de ser o sítio marcado.

Depois de instalada no novo hostel para mais uma noite de tortura, estômago e intestino decidem juntar-se à festa dos sintomas da "virose". Mais um arrozinho branco e um ovo para tentar manter-me alimentada. Envio fotografia do antes e do depois à mana para garantir que comi (quase) tudo. Estou doente há 4 dias, hoje voei de Bali para Bangkok e amanhã voo para Krabi. Que belo estado para viajar! A parte boa é que a partir de amanhã já não estou sozinha, vou ver a primeira pessoa conhecida em 4 meses, o namorado. Vamos lá ver que milagre é possível fazer para me transformar numa mulher bonita depois de 4 dias de ... vocês sabem!

Aterramos em Krabi já com algumas horas de atraso. Tínhamos marcado hotel já em Railey Beach para essa noite e ainda tínhamos de apanhar um barco. Já era de noite quando entramos pelo mar adentro, a caminhar com as mochilas nas costas e água até à cintura para entrar num barco de madeira puxado por um motor artesanal. À medida que íamos deixando de ver as luzes da praia os nossos olhos iam-se adaptando à escuridão do meio do mar e conseguíamos distinguir entre o preto do céu e o negro dos rochedos gigantes e escarpados por onde passávamos.

Os 2 dias que se seguiram foram a repetição dos anteriores, febre, enjoos, muita fraqueza, sem vontade de comer ou beber o que quer que fosse. Não havia maneira de melhorar e quando percebemos que a minha língua já estava branca da desidratação, estava na hora de ir para o hospital, a 13 000 km de casa. Mas isso, fica para o próximo capítulo ;)


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