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Ser a Heroína de Alguém


Idolatrar algo ou alguém é uma coisa pessoal e que nem sempre partilhamos com aqueles que nos são mais próximos. A razão do nosso gosto pode ser mais ou menos válida, fazer muito ou nenhum sentido. Às vezes a admiração dura uma vida, outras vezes é apenas momentânea. Pessoalmente prefiro admirar quem conheço , sem juízos de valor sobre o que jornais ou revistas dizem. Simplesmente admirar quando tenho a certeza de que é assim mesmo, genuíno. Por isso, a maior parte dos meus heróis são mesmo os meus amigos e a minha família. Cada um por coisas muito pequeninas, pormenores que provavelmente eles próprios nem sabem ter. Valorizar atitudes, comportamentos, palavras e o, chamemos-lhe poder, de conseguir transmitir algo exactamente como é. Sendo para mim o último o mais difícil.

Mas vamos ao que interessa. Já se sentiram os heróis de alguém?

Eu já me senti a heroína de mim mesma. Por ter alcançado um objectivo pelo qual há muito tempo lutava. Ou por ter tido a atitude certa mesmo num contexto errado. Uma espécie de orgulho próprio que todos nós nos permitimos gozar, até necessitarmos de um novo desafio ou objectivo a atingir. Ridícula mente humana que quer sempre mais!

Quando comecei a dispersar a notícia da minha viagem de solo backpacking pela Ásia, as reacções das pessoas ditavam o seu perfil. Não há nada melhor para conhecer alguém do que contar-lhe algo que ela não consegue encaixar. Lançar obstáculos fez parte da reação da maioria das pessoas, infelizmente é-nos intrínseco pensar primeiro no que é difícil. "Mas vais sozinha?" "E tens dinheiro para isso?" "Vais dormir em dormitórios? "E se ...?" . Por vezes torna-se exaustiva a quantidade de informação negativa que recebemos. Mas, neste caso, levei estes discursos mais desencorajadores como eu própria costumo reagir quando alguém me diz que tem uma ideia de negócio. Eu também questiono uma quantidade infindável de pormenores, coloco muitos "Como?", "Porquê", "Qual é a lógica disso?". E às vezes sinto também que levo as pessoas à exaustão. Mas o objectivo é sempre o mesmo e muito positivo. Ter a certeza de que é mesmo aquilo que querem. O sentido é simples de compreender. A forma como defendemos e fundamentamos aquilo em que acreditamos dita o sucesso ou insucesso das nossas escolhas, essencialmente porque demonstra o quanto queremos algo. E querer é poder!

Mas, não só de obstáculos foram feitas as reações das pessoas. Silêncios sonhadores de quem gostava de ter uma experiência semelhante, abraços de despedida com um orgulhoso brilho nos olhos e frases como "Que coragem!", encheram os meus dias antes de partir. A verdade é que, depois de tomada a decisão de ir, não consegui absorver muito as atitudes encorajadoras que as pessoas à minha volta tinham comigo. O meu foco, além da organização da viagem, era garantir que os objectivos principais da mesma iam ser cumpridos e que a razão da minha ida me ia permitir regressar uma melhor versão de mim mesma.

Eram 22h na Gilli Trawangan (Indonésia) e tinha acabado de me sentar num bar, sozinha, com a minha cerveja na mão. A tranquilidade, auto-confiança, segurança e descontração que a viagem me tinha ensinado permitiram-me fazer exatamente aquilo que me apetecia naquele momento, apesar de não haver companhia. A Lynn, uma rapariga que conheci na noite anterior e natural de Kuala Lumpur passou por mim com as amigas e convidaram-me a sentar-me com elas. O discurso de apresentação com o relato comum do nome, idade e profissão passou por todas nós. Quando chegou a minha vez, contei a minha história. É fácil captar a atenção das pessoas com uma simples frase "Estou a viajar sozinha pelo Sudeste Asiático, há 3 meses". O corpo estanca, o movimento deixa de existir, os olhos arregalam e por vezes até as podemos ver a engolir em seco. Se quiser entrar a matar logo basta adicionar "Tenho 23 anos, era agora ou nunca". Falei-lhes dos destinos por onde tinha passado, os melhores pontos e as situações mais complicadas. No meio de muitos "Eu nunca conseguiria fazer isso" "Não tens medo?", arrastei-as comigo para a pista de dança. Apesar de ser a minha história, repeti-la vezes e vezes sem conta começava a tornar-se chato.

No caminho do bar para o hostel conversámos mais um pouco. Essencialmente sobre a dificuldade de viajar sozinha como mulher, porque infelizmente a diferença entre géneros é imensa ainda. Elas ouviam cada uma das minhas palavras como se fossem leis e conseguia sentir a adrenalina que despertavam nelas as minhas histórias. Soube-me bem, confesso.

Chegamos ao meu hostel e ouvi a pergunta mais engraçada de toda aquela noite. "E agora? Vais dormir aqui sozinha?" . Realmente, pensando que dormi com a minha mãe até aos 10 anos nem eu acreditava que aos 23 ia andar sozinha a dormir em hosteis pela Ásia. Ri-me e tentei descansar o ar de preocupação com que ela estava.

No final da noite, fizeram-me sentir a heroína de todas. Abraços fortes de preocupação misturada com admiração fizeram parte da despedida. As últimas frases "You're my hero" "I could never do it" "I love you", despertaram em mim uma sensação nova. De orgulho sim, mas essencialmente de responsabilidade em "ensinar" as coisas certas a quem passa a beber o que digo como inquestionável. Uma pequena mistura de sentimento de maturidade apoderou-se de mim também, senti-me maior, mais conhecedora e mais completa.

Quase que posso dizer que até fisicamente me senti mais poderosa! Há com toda a certeza alguma magia em sermos os heróis de alguém!


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