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A Viagem de Todos os Dias


São 4h da manhã em Portugal, 10h em Jakarta. Estou nesta cidade há 4 dias. Tenho um feeling que esta cidade vai ser o meu primeiro post "Onde não ir".

Mal posso esperar para apanhar o meu próximo voo, amanhã, para Bali. Quatro dias extremamente desinteressantes obrigaram-me a viajar dentro de mim, o contrário do que tenho feito nos últimos 3 meses em que tudo o que vem do exterior é sinónimo de novidade, surpresa e emoções novas. E dizem que tudo o que é novidade, é melhor.

Lembro-me de me aconselharem a trazer um livro e descarregar uns jogos para o telemóvel para passar o tempo quando estou em trânsito. Foi o que fiz na verdade. Mas não deixei de explicar que adoro passar esse mesmo tempo a viajar também, aqui, dentro da minha cabeça. E como viajo...! Viajo para perceber se está tudo bem com aqueles que gosto. Se a voz deles soou bem na última chamada, se tenho mantido o contacto suficiente para saber se estão realmente bem. E preocupando-me com eles, preocupo-me comigo. Tomando conta deles, tomo conta de mim também. Afinal, só conta como viagem quando temos um ninho para onde voltar. E hoje foi a primeira vez que senti saudades do meu.

Não sei o quanto viaja a tua mente diariamente. Eu tenho uma grande dificuldade em controlar os sítios por onde a minha passa. Dou por mim muitas vezes a pensar "Não não não... rebobina se faz favor, já estás a ir longe demais". Se houve alguma coisa que tantos anos de estudo tão diversificado me ensinaram, é que tentamos colocar tudo em caixinhas, daquelas que se podem encaixar umas nas outras e manter tudo no lugar certo. Lugar certo, hmm, não sei bem o que isso é.

Adiante. Ficamos inquietos, nervosos, ansiosos, quando temos algo em mãos que não sabemos onde encaixar. Cria uma reação física mesmo, precisamos de nos mexer, franzir as sobrancelhas na tentativa de compreender, questionamos verbalmente como, porquê. Tudo para tentar criar uma linha lógica que faça com que aquilo faça de alguma maneira sentido.

Nos últimos 3 meses senti várias vezes isto, conheci histórias e opções de vida para mim muito difíceis de encaixar.

Como o Tukka que conheci no Sri Lanka, a viajar há 5 anos, desde os seus 18. Que só volta à sua casa na Finlândia uma vez por ano, no verão. Desapegado de qualquer relação humana, não mantém contacto regular com nenhum familiar e não consegue manter uma namorada mais de 3 meses, porque o medo de ficar "agarrado" a alguém não tem lugar nas caixinhas dele. Ou a miúda sueca com quem partilhei o dormitório na Malásia. Nessa noite ia experimentar couchsurfing em Kuala Lumpur, cujo host lhe enviava continuamente fotografias obscenas da esposa envolvida com os convidados. "Mas ele pergunta sempre se me pode enviar ou se eu fico ofendida. São naturalistas, sabes o que isso quer dizer? Andam nus pela casa". Ainda não consegui encaixar esta nas minha caixinhas.

Crescer e perceber que os adultos não têm solução para tudo pode ser assustador. Mas a verdade é que continuo a acreditar que quase sempre já sabes a resposta certa antes de pedir ajuda "aos grandes". É como ir a um restaurante com imensa vontade de comer um bitoque e perguntar ao empregado o que aconselha. Aí ele vai dizer "Temos uma vitela no forno deliciosa", e tu vais pensar "Hmm, vitela não". Ele sugere "E o bacalhau com natas hoje está divinal", e tu continuas "Hmm, peixe não me apetecia muito". E no final lá dizes, "Acho que vou mesmo para o bitoque", quando o empregado nunca mencionou o bitoque!

Ainda não sei bem explicar isto, mas vejo a acontecer diariamente nas mais diversas situações. Talvez seja mais fácil chegar ao que queremos por eliminação daquilo que não queremos. O que vai muito de encontro ao "Não sei o que quero, mas sei muito bem o que não quero", a quote da geração dos Millenial.

No meio de tantas caixinhas de diferentes tamanhos e feitios que cada um de nós tem, dos valores, crenças e ideais que foi criando ao longo daquilo que viveu, começo a ter um guarda na entrada do meu armazém que cada vez mais facilmente sabe escolher entre as caixinhas boas e as caixinhas más.

Há 4 meses atrás, quando decidi fazer esta viagem, abriu-se uma nova caixa gigante e cheia de amor automaticamente, que fez explodir a caixinha que guardava o bichinho tímido de viajar para o desconhecido. Chama-se Maria Luís e vai-me chamar Tia quando eu voltar ao ninho. A Adriana diz que falo dela como se fosse a mãe. Acho que o meu despertador biológico tocou mesmo desde que nasci, quando respondia "Mãe" à pergunta do "O que queres ser quando fores grande Mariana?".

Hoje adiciono mais 2 caixinhas virtuais ao meu Blog onde tenho partilhado contigo o que vivo durante a viagem. São 2 algarismos, 99, o número de dias que restam para viver esta aventura pelo Sudeste Asiático, até começar uma nova aventura, em casa.


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