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Pôr do Sol em Kandy


Express Train to Kandy. Na minha ingenuidade "Express" significava fazer os 240km que separam Weligama de Kandy em menos de 4h de comboio. A viagem começou pelas 14h, cheguei a Kandy já passava das 21h. Devia aprender a perguntar sempre a hora de partida e a hora de chegada.

Lá fora já está bem escuro, a pouca iluminação das estações de comboio é ajudada pela luz dos relâmpagos que se fazem acompanhar de um som suave e muita muita chuva. Ao meu lado está sentado um rapaz novo, ainda estudante, engenharia diz ele. Esforcei-me para manter a nossa conversa o mais básica possível, provavelmente ia precisar da ajuda dele para apanhar um tuktuk para o Hostel. Mas a típica pergunta "Husband?" já tinha surgido.

Cheguei ao Hostel, um 3º andar, elevador com vista panorâmica, uma recepção exemplar "Welcome Madame, room and bathrooms upstairs. Breakfast morning". No dormitório de 10 camas, estava ocupada uma, ainda sem ninguém. A vista da varanda que acompanha todo o quarto é magnífica. Pequenas luzes pelas montanhas, parecem pirilampos. Uma placa junto à janela relembra-me para ter cuidado com os macacos.

Durante a noite enquanto tentava dormir vi-me obrigada a colocar a rede mosquiteira, sou um alvo apetecível para estes seres. Às 5h da manhã daqui as amigas ligam. É o aniversário da Catarina e estão todas juntas, são 23h em Portugal. Desejei estar lá. Parece que não se pode mesmo ter tudo, como diz a Mariza "é preciso perder para depois se ganhar".

De manhã acordo com um pequeno almoço gigantesco que orgulhosamente devorei na totalidade. Três fatias de pão com manteiga e compota mais 2 fatias a acompanhar os ovos mexidos e as salsichas. Plural sim, confesso. Chá e sumo de laranja incluídos, um must! No hostel dão-me todas as indicações que preciso e começo a explorar a cidade de Kandy. Preciso de trocar as rupias que sobraram da Índia. Entro num mercado e pergunto onde existe um exchange office. O senhor indica-me para ir sempre em frente e 5 minutos depois de eu começar a caminhar, aparece novamente! Vou com ele até à exchange store que é ... uma sapataria! Surpreendentemente engraçado, quem diria que ia trocar dinheiro numa loja de sapatos. Deixou-me no caminho para o Templo do Dente e foi à sua vida. Já começo a perceber quem sorri com bondade e quem sorri com maldade, assim tudo se torna mais fácil.

Caminhei junto ao Bogambara Lake e entrei no Centro Cultural de Kandy para comprar o meu bilhete para o show do final do dia. Aqui encontrei duas lojas de souvernirs para turistas. Uma carregada de bugigangas de prata, a outra de madeira. Esta segunda loja fez-me voltar aos meus tempos de infância, na casa da Avó Fernanda. Em cima da mesa da sala havia elefantes de madeira e caras de pessoas de outras raças que eu não sabia bem o que era. Coisas provavelmente trazidas por ela e pela Tia Ana Maria de África quando lá estiveram. O cheiro era exactamente o mesmo. Dentro de mim, falei para a Mariana de 5 aninhos, "Sabias lá tu que ias andar por sítios destes um dia". É fantástico como algumas fragrâncias nos fazem viajar tão rápido para momentos que nem pensamos estarem gravados na nossa memória.

Quando saí do Centro Cultural, parei junto ao lago. Parecia ouvir algo familiar e concentrei-me. "PORTUGUESES?" Acho que falei um pouco alto, de tanto entusiasmo. O Miguel, a mulher e a filha estão a viajar pelo Sri Lanka. Ele já visitou a Ásia mais de 30 vezes, pelo que me senti um bebé cada vez que me falava de um novo sítio onde ir. Falamos durante quase 1h, como é bom ouvir a nossa língua, pensar na nossa língua, falar na nossa língua. Agradeci-lhes muito por aqueles minutos e seguimos o nosso caminho, com um "Fica sempre alerta" do Miguel.

Caminhando ao longo do lago vejo uma infinidade de peixes, corvos, flamingos, lagartos que parecem crocodilos. Tudo isto enquanto oiço a música do carrinho dos gelados, que por acaso é igual à que passava em Portugal na altura em que ainda existiam as carrinhas a vender doces e que através da música a nossa boca começava de imediato a salivar. Aqui as ruas são limpas, as árvores estão numeradas e até têm a inscrição em cada uma delas qual a espécie.

É hora de almoçar. O sítio que escolhi está repleto de locais e não se avistam turistas, perfeito. Peço Chicken Curry, para variar (ou não) e um sumo de papaia. Sentam-me numa mesa, partilhada com outras pessoas que estavam ainda a comer. Acho engraçadíssimo o à vontade que aqui têm. Com tanta gente só mesmo partilhando é que as coisas avançam, mais um ensinamento para levar comigo!

No caminho para o espectáculo conheço uma rapariga da Dinamarca, Pinatella. Bom nome, imagino o que teria sofrido em criança em Portugal com as piadas infinitas que os colegas fariam. Juntas escolhemos uma lembrança na loja de souvernirs. É exigente escolher algo pequeno e leve para carregar durante os próximos 4 meses, até regressar a casa. Mas acho que fiz a escolha certa. Uma espécie de quadro típico do Sri Lanka, com um bolso. Quero colocá-lo na entrada da minha futura casa, para deixar um bilhete por dia recheado de amor e carinho

para os meus, para começar bem o dia, todos os dias. Afinal "as relações são como as plantas, precisam de ser regadas todos os dias".

O espectáculo durou cerca de 1h, cheio de música, dança e uma espécie de artes marciais. Um vendedor já velhote veio ter comigo, comprei-lhe um colar com um elefante por 100 rupias, o preço inicial eram 300. No final disse-lhe que era de Portugal, ao que ele respondeu "Oh Portugal, nice country I like Portugal. And I like you. See you later." E assim se despediu com um piscar de olho.

O dia terminou com um pôr do sol dos mais bonitos que já vi. Partilhei-o com a miúda dinamarquesa que tinha conhecido pouco tempo antes, com quem dividi o jantar e que me contou que dentro de uns meses vai arrancar para a sua terceira missão numa ONG. Sudão, Iémen e a caminho da Nigéria. Despedimo-nos com um "Wish you all the best", com a noção de que nunca mais nos iremos ver.


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