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Unawatuna Family


Cheguei à estação de comboios de Maradana. No banco a seguir ao meu vejo pela primeira vez uma menina, mulher, senhora, não sei ao certo, completamente coberta. Nos pés usava umas meias pretas com sandálias, calças largas pretas, camisola de manga comprida preta, luvas pretas. Na cabeça, um lenço que cobria todo o cabelo, boca e olhos. Não havia um milímetro de pele descoberta. Estão 35 graus aqui.

No mesmo banco em que estou sentada, tento ler o meu livro enquanto oiço música de ambas as pessoas que partilham o banco comigo. Do lado esquerdo temos música típica do Sri Lanka com um vídeo duvidoso. Do lado direito temos um relato de futebol em inglês. Apesar de tudo, consigo focar-me na minha leitura.

O comboio arrancou pelas 14:17 em direcção a Unawatuna. Muita praia e um Hostel alternativo esperavam por mim. Troquei de lugar duas vezes no comboio procurando pela segunda classe. É fácil de encontrar, basta procurar pessoas de tom de pele branco. A vista do comboio é magnifica, parece que estamos a andar sobre o mar. As quase 3h de viagem são preenchidas por palmeiras, mar, barcos, pequenas vilas piscatórias e paragens em estações de comboio que parecem improvisadas.

Ao meu lado está um rapaz indiano, turista, marinheiro de profissão, que veio até ao Sri Lanka viajar pela primeira vez sozinho, aproveitando os 3 meses de férias que tem de 4 em 4 meses. Falamos várias vezes durante a viagem, sobre o país onde estávamos mas também muito sobre a Índia. Não pude deixar de dizer que o olhar dos homens é um incómodo enorme naquele país, ao que ele respondeu "I am so sorry for that". Pareceu-me sensato. Mas, como quem sai aos seus não degenera, apontou para a minha falsa aliança e perguntou se estava noiva. Devo dizer que começa a ser natural para mim dizer que sim a tudo o que inclua ter marido, namorado, noivo. No final a minha identificação na mochila tramou-me. Ele viu o meu nome e claro está, seguiu-se um pedido de amizade via facebook.

Passamos a estação de Galle, o revisor não sabe se paramos em Unawatuna ou não. Confirma-me que sim passado dois minutos, não percebo se é a próxima estação ou não. No comboio entra um casal dos seus 60 e poucos anos diria, ele de prancha numa mão e a outra de mão dada com a mulher. Desejei ter aquilo um dia. Idosa juventude.

Saí na estação certa quase de empurrão. A falta de informação torna os erros muitos prováveis. Caminhei até ao Unawatuna Hostel. Comecei a ver póneis, tendas, macacos, é mesmo aqui! Sem a existência de qualquer receção, dirigi-me a um senhor que seria o dono, que me tirou qualquer restia de vergonha naquele momento, pelas 17h.

"Welcome. We have late check outs around here so your room is not ready yet. Do you drink? Good! Come sit with us and have a drink!"

Já escrevi algumas vezes que viajar sozinha ensina muito rápido quando dizer sim e quando dizer não, o instinto fica apurado. Tinha acabado de chegar ali e ainda não conseguia sentir se fazia ou não sentido, então a resposta foi fácil para me safar de ficar logo alterada no primeiro dia.

"Yes I drink but not today. I am taking antibiotics. Tomorrow I think I will be good enough"

Fácil.

Depois de dar uma vista de olhos pelas tendas, o meu "quarto", perceber como funcionavam os chuveiros ao ar livre e conhecer as casas de banho que obrigavam a passar por toda a gente na sala comum para chegar lá, decidi explorar os mangrooves. O hostel fica mesmo no meio de um terreno rodeado por este tipo de ecossistema. Raízes no meio do rio a crescer por todo o lado e de todas as maneiras. A minha exploração durou 10 segundos, convido-vos a ver o vídeo abaixo para perceberem porquê (brevemente disponível).

Os 3 dias seguintes, que deveriam ser apenas 2 de acordo com o plano inicial, foram recheados de passeios de scooter (importante aprender o vocabulário da condução daqui. Buzinar 2x significa que nos vamos meter, 1x significa obrigada. Quem não buzina, não sabe conduzir), praias diferentes a cada dia, explorar o Forte bem pitoresto da cidade de Galle e terminar todas as noites a jantar à volta de uma mesa com cerca de 30 pessoas, maioria alemães, uns sozinhos outros em grupo ou em casal. Conversas mais ou menos interessantes, pessoas mais ou menos interessantes também. Os temas mais falados, o país de cada um. Ninguém falou das saudades de casa, mas muitos não queriam ainda voltar. Conheci a primeira pessoa que faz das viagens a sua vida. Totalmente desapegado de relações humanas duradouras, disse-me que consegue criar "mini famílias" em cada lugar por onde passa. Falamos muito sobre apegos e desapegos e no final, espero ter deixado nele um pouco menos de medo de se entregar aos seus.

No 3º dia decidi que estava na hora de partir para o próximo destino. Já integrada num novo grupo, dei um abraço apertado à minha familia daqueles 3 dias e segui rumo a Weligama!


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