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Dharabi Slums


“Slumdog millionaire” ou “Quem quer ser milionário?”, hoje estive dentro do filme.

Jamal Malik provém de uma das áreas mais pobres da Índia, os Slums. Na minha viagem pelo país, tive a sorte de ter a oportunidade de conhecer este mundo. Fui conhecer especificamente os Slums que ficam entre as redes ferroviárias que assistem a cidade de Mumbai.

Mumbai tem uma população de 18 milhões de pessoas para uma área de 603 km2. O que resulta em cerca de 29 850 pessoas por quilómetro quadrado, 30 pessoas por m2.

A população do Dharabi Slum está estimada em 1 milhão de pessoas, uma contagem que pode estar muito abaixo do número real uma vez que além de poucos censos, há muita gente ilegal por aqui. A área deste Slum é de 2.1 km2, o que resulta em 476 000 pessoas por quilómetro quadrado, 476 por metro quadrado.

Dharabi Slums é neste momento o segundo maior slum da Ásia e o terceiro maior do mundo.

Dentro deste Slum existe alguma organização. A área está dividida em várias indústrias, reciclagem de plástico e outros materiais e industrial têxtil são as maiores. Gera milhões ao ano, e é mantido por pessoas muito poderosas na Índia, que incentivam as pessoas a ficar por ali providenciando-lhes o “mínimo” e mantendo-as na sua zona de conforto. Afinal, quem não conhece, não sente falta – vamos ver mais à frente.

Dentro do comboio já começamos a avistar “casas” improvisadas, muitas pessoas e crianças a fazerem da linha de comboio a sua casa de banho. Descemos numa estação aparentemente normal para a Índia e começamos a caminhar por entre os corredores estreitos que começam a desvendar um pouco deste mundo.

Perdoem-se o uso de aspas alargado neste texto, mas o conceito de cada palavra muda uma pouco dentro desta realidade e acho que vão entender porquê.

Dentro de cada “porta” encontramos vários homens a trabalhar. Entre todo o lixo, alguns separam as partes recicláveis, outros lavam os bidons para reutilizar. Não existem horas de trabalho, começam de madrugada e ao fim da noite regressam a casa. Homens a tingir roupa em grandes panelas de água quente, outros a cortar pedaços de pele que futuramente se tornaram bolsas, enquanto outros secam a lã fresquinha retirada das ovelhas. O cheiro a lixo e a urina é constante. Muitos animais e crianças por ali brincam.

Perguntei a um dos indianos que nos acompanhava qual a razão de não haver mulheres por ali. A resposta foi automática: “Parece-te um bom sitio para mulheres trabalharem?”. Bem, realmente não, mas onde estão elas então? As famílias aqui são muito pobres, algumas mulheres ficam em casa mas muitas trabalham, geralmente como mulheres de limpeza em casas de famílias ricas.

Atravessamos o rio, repleto de lixo e com água a cair pelo cano de cada casa, cada uma de cor diferente. O rio desagua diretamente no mar, sem qualquer tratamento.

Chegamos a um parque de crianças. Muitas veem ter connosco na esperança que lhes demos algo, olham para nós fascinados, sorriem para as nossas fotografias enquanto brincam descalços a saltitar de tábua em tábua ou a competir para ver quem encontra no lixo o brinquedo mais interessante. Os mais velhos, diga-se 7 aninhos, já olham para as nossas câmaras fotográficas e telemóveis com um olhar menos interessante.

Apesar de toda a pobreza, devo dizer que me senti bem mais segura aqui do que normalmente sinto na rua. As pessoas olhavam sim, os olhares masculinos continuavam lá sim, mas descobrimos uma receptividade para nos mostrarem o mundo deles que eu desconhecia existir aqui. A verdade é que os indianos adoram receber pessoas, os convidados são considerados como uma espécie de Deus. Muitos deixam a porta de casa aberta quando estão a comer, caso alguém passe e queira entrar e sentar-se com eles. Incredible India 😊

Conhecemos uma família de 4. O Pai, 43 anos, eletricista. A Mãe, 40 anos, dona de casa. Os seus dois filhotes, o menino com 3 anos prestes a ir para a escola e uma menina, de 11 anos, que estava naquele momento nas aulas. Senti-me orgulhosa por eles. Fiz algumas questões mais particulares, sem querer ferir susceptibilidades. Disseram-nos que iam tentar providenciar um curso superior à filha, se ela assim o entendesse. Aqui é muito difícil as crianças estudarem, os pais querem que elas trabalhem desde cedo e que no futuro sigam o negócio deles. Entenda-se por negócio vender bananas ou uvas ou frutos secos numa carroça pelas ruas dos slums.

Esta família abriu-nos a porta da sua casa, um único compartimento com 3 m2, onde encontramos tudo. Cozinha do lado direito, com fogão e todas as especiarias necessárias. Seguida da sala de estar/sala de jantar/quarto de todos, um frigorífico e uma “casa de banho” logo atrás da porta, em frente à cozinha, apenas com um balde grande e um pequeno. Nas prateleiras do tecto cabia tudo, panelas, toalhas e roupa. Nestes 3 m2 cabia ainda uma ventoinha no tecto com a qual tínhamos de ter cuidado para não sair dali com um novo corte de cabelo. A casa tinha electricidade e uma torneira exterior com água. O espaço é relativo, estas famílias fazem toda a sua vida num compartimento mais pequeno que o meu quarto, no qual eu acho que não tenho espaço sequer para fazer a mala quando vou viajar.

No inicio reparamos numas escadas exteriores para o piso de cima e na nossa inocência perguntamos se eles dormiam na parte de cima da casa. Não, a parte de cima é para outra família.

As casas de banho reais, ditas, com sanita, ou seja, um buraco no chão, são comuns para toda a comunidade. E mistas, homens e mulheres. Filmar dentro das casas de banho foi uma das experiências mais enriquecedoras por aqui, devo dizer-vos que é um desafio enorme mas que acabei por descobrir como as pessoas conseguem ter sentido de humor, ao colocar uma imagem da Hermione do Harry Potter indicando que do lado direito era para meninas.

O vencimento anual desta família, 1500 dólares, 100 000 rupias indianas, 8300 por mês. Um pacote de leite custa cerca de 50 rupias, pão cerca de 30, o passe mensal do comboio 400 rupias, para terem uma noção. Uma família com este salário anual conseguir colocar um filho na faculdade é um milagre. Detalhe que a educação aqui é gratuita apenas até ao 9º ano, o secundário e faculdade são pagos.

Quando vemos estas realidades a pergunta final é sempre a mesma. Há ou não oportunidade para estas pessoas terem uma vida melhor, darem aos seus filhos uma vida melhor? A grande questão é a rentabilidade que os Slums dão, o turnover dos Dharabi Slums é de 1000 milhões de dólares americanos por ano. Os stakeholders das companhias que detêm estes trabalhadores têm todo o interesse em mantê-los por ali, em que não tenham educação disponível e assim possam renovar a classe trabalhadora geração após geração.


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