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Porque comprei uma aliança para viajar sozinha?


“Hello”. 10 passos depois. “Hello, hello”. 5 passos depois. “Beautifull girl. Are you single?”

Igualdade de géneros, fui criada numa perspectiva de homens e mulheres terem os mesmos direitos, as mesmas obrigações. Apesar de saber que ainda não é exactamente assim nas sociedades “modernas”, a verdade é que nunca senti a minha liberdade limitada por ser mulher. Como bailarina, desde muito cedo lidei com algumas intervenções menos felizes por parte do sexo masculino, e aprendi que na minha sociedade, uma atitude forte e segura por parte da mulher, afasta muitos desses problemas.

Vim para a Índia com uma pequena noção de que a separação entre géneros é enorme, que o assédio sexual está ainda muito presente, mas com a ideia de que o país está a tomar medidas para melhorar. Não esperava sentir-me segura, mas não esperava na verdade sentir-me obrigada a pôr a minha identidade de lado para poder viajar em segurança.

Os comboios na Índia têm carruagens exclusivas para mulheres. Em hora de ponta seria impossível viajar em carruagens mistas sem sentir partes do corpo de um homem a tentar insinuar-se sobre a mulher. Durante o dia, apenas viajar nas carruagens para mulheres check. Durante a noite? Bem, mulheres já se vêm poucas. Mas durante a noite é mais seguro viajar nas carruagens mistas, acontecem casos de homens que decidem entrar nas carruagens das mulheres e aí já não hã protecção. Melhor ainda, a aplicação mobile para sabermos os horários dos comboios descarrega automaticamente uma segunda aplicação cujo único intuito é ser uma linha de apoio urgente para as mulheres em caso de assédio. Dá que pensar.

Modo de vestir.

Nada de pernas à mostra, nem ombros. O pensamento aqui é, se vestimos algo mais justo ou destapado, é porque queremos atenção masculina. A sensação de estarem 30º e ser obrigada a colocar um lenço sobre os ombros revolta-me um bocadinho. Tenho saudades de usar calções, ainda bem que inventaram as baggy pants, pelo menos é fresco, só vou sentindo a roupa colada ao corpo. Da parte de mulheres que nasceram nesta cultura, dizem-me que está escrito nos seus livros religiosos que as mulheres devem andar tapadas para evitar os olhares dos homens. Pois.

Questionei muitas vezes as várias culturas que aqui encontrei sobre o papel do homem e da mulher na sociedade. Uma das respostas mais interessantes que tive foi ao perguntar se os homens valorizavam aquilo que a mulher queria para o seu futuro ou não. Na tentativa de mostrarem que sim, a resposta foi mais o menos assim:

“ Sabes, foi feito um inquérito no meu país sobre o que é que os homens pediam mais às suas mulheres. As opções eram: a) Sexo b) Filhos c) Cuidar da Casa. E sabes qual foi a resposta mais dada? C) Cuidar da Casa. Os homens pedem isto às suas mulheres porque é como um presente para elas, elas gostam, e fazem isso muito melhor que os homens.”

Pois.

As mulheres indianas dizem que se sentem assediadas no seu dia-a-dia. Para as mulheres estrangeiras, pele branca e cabelo loiro é sem dúvida o look mais “apreciado” por aqui. Comecei este artigo pelo “Hello” que ouvimos de 10 em 10 segundos por parte de todos os homens que passam na rua enquanto caminhamos. A explicação para isto “é o que eles vêm nos filmes americanos. Os rapazes podem falar com as raparigas sobre tudo.” Não entendo que filmes andam a ver. O facto é que não vale a pena olhar com cara de quem não achou piada ou ter uma atitude mais agressiva perante este comportamento. Eles acreditam realmente que podem falar connosco do nada e chamam os amigos para fazerem o mesmo.

É aqui que entra a diferença entre ser casada ou não. É aqui que o pormenor de ter uma aliança no dedo muda tudo. Mochila nas costas, mão esquerda na alça a exibir este pequeno pedaço reluzente, e tudo se torna mais fácil. Os “Hello” não páram, mas passam a desviar o olhar quando se apercebem do anel.

Um dia estava às compras de bijuteria para um casamento. Dentro da loja as meninas perguntaram-me se era casada, disse que não. A parte casamenteira de todas veio ao de cima naquele momento, à medida que todas olharam para o único rapaz que ali estava e começaram a falar em Hindi e a rir entre elas. Apercebi-me e disse “No, thank you”. Sorriram.

Na cerimónia no rio Ganges decidi colocar também um presente no rio. Um dos indianos locais ofereceu-se para me ajudar a mim e ao Jimmy. No meio das palavras que eu deveria repetir para a oferenda aos deuses, soltou um “Married?”. Assim que eu disse “No” a atitude mudou por completo, como se de repete houvesse ali uma oportunidade, via-se claramente a excitação nos seus olhos.

Quando visitei Delhi, deparei-me com um aviso que me tocou muito como mulher.

Na bilheteira para comprar o bilhete para a torre do monumento tinha a indicação das regras a cumprir, entre elas:

“Proibida a entrada a mulheres e crianças desacompanhadas”

No fim, por um lado fico revoltada comigo mesma ao sucumbir a estas alterações da minha identidade cobrindo o meu corpo e usando uma aliança que não me diz nada, aceitando que é o que devo fazer para evitar problemas. É como se estivesse a consentir que é o certo a fazer. Mas a segurança quando se viaja sozinha é a prioridade máxima e por isso assim vou continuar.


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